terça-feira, 17 de julho de 2012

Aventuras no lugar que não existe - Episódio 2: Paraísos Perdidos


2) Paraísos Perdidos

Num dos últimos dias de minha estadia no Amapá, vésperas de eu deixar Thomas prosseguir sua viagem pelas Guianas, ele finalmente me confessou que ver a natureza dessa remota região do país não era o seu único desejo quando ele decidiu virmos para cá. Na verdade, a viagem tinha também o seu componente social-antropológico. Ele queria ver de perto se havia alguma característica peculiar neste pedaço de sociedade brasileira. Sendo um europeu, ele esperava que manter as características culturais, sociológicas, etnográficas fosse um dos maiores bens que uma comunidade poderia almejar. Para alcançar esse objetivo os europeus são capazes de pagar preços altíssimos, até mesmo criar um país onde se tem oficialmente quatro línguas, diferentes leis, culturas e tradições – como é o caso da Suíça (de perto, isso soa muito mais esquisito do que parece na teoria, como eu pude constatar meses atrás quando fiquei lá por uma semana). A tradição, a cultura, as particularidades locais, são bens sagrados, a serem preservados e orgulhosamente mantidos e exibidos. No Brasil, imagino que os gaúchos, os mineiros e, em certa medida, os nordestinos têm algo parecido com esse orgulho local que os europeus tanto prezam. Mas não chega nem perto do esforço que as pessoas nas cidadezinhas do Velho Continente fazem para efetivamente manter as suas tradições. E com relação a este quesito, Thomas ficou um tanto quanto decepcionado. Depois de viajar literalmente do Oiapoque ao Chuí, ele não encontrou grandes diferenças sociais que marquem, por exemplo, o comportamento de um jovem no Amapá, em São Paulo, ou no Rio Grande do Sul. “Podemos ver isso pelo lado bom ou pelo lado ruim...” – consola-se ele.

O que é difícil mesmo é concluir que o desenvolvimento da civilidade e da educação qualificada nas pessoas demora muito, mas muito mais tempo que o aumento de suas contas bancárias e de seus bolsos (principalmente depois de anos de crescimento econômico rápido como o que observamos nos últimos anos). E essa é uma observação da economista que vos escreve. Eu também tento me consolar, lembrando que esse é um fenômeno mundial: países que enriquecem rápido, no primeiro momento, apresentam bizarrices como gente semi-analfabeta tendo recursos materiais para criar muito lixo e destruir o meio ambiente da pior forma possível, gente que incomoda os vizinhos com o barulho de seus sons super potentes (com música da pior qualidade possível...), gente que não sabe ler mas que tem um carro enorme que pode atropelar qualquer um num piscar de olhos, etc. É claro que o calor humano ainda existe e, com raras exceções, tende a ser maior nessas cidades pequenas e remotas do que em grandes centros urbanos (moro há seis anos exatamente no mesmo lugar, e até hoje não sei o nome de meus vizinhos de porta, muito menos o que eles fazem – e tenho a certeza absoluta que idem eles com relação a minha pessoa...). Mas, infelizmente, esse tipo de cordialidade é a primeira coisa que se perde quando o dinheiro e mais pessoas chegam a um lugar.

Assim sendo, tivemos mesmo que focar na parte ecológica da nossa viagem, que, felizmente, não deixou nada a desejar.

O lugar que ficará para sempre em minha memória não tem nome especial, ou se tem, eu não sei e deve estar bem escondidinho em algum lugar (como todas as outras informações que possam interessar ao turista no Amapá... parece que nem os locais sabem ou se importam com elas, o que é outra coisa para se entristecer...). Em Calçoene, a última cidade onde o asfalto da BR 156 chega, ouvimos dizer da Praia do Goiabal, a 24 km do “centro”. Era uma praia de verdade, depois de onde o Rio Amazonas desemboca. Decidimos pegar um dos moto-táxis da associação da cidade (não existem táxis em Calçoene). Eu tive a sorte de conhecer o Carlos, um ex-professor do Ensino Fundamental que teve a iniciativa de criar a associação – uma das pessoas mais educadas que conheci nessa viagem. Fui na garoupa dele, enquanto Thomas foi no do irmão do Carlos. As duas motos levaram uns 40 minutos até chegar na praia. O Goiabal era bem interessante, com bandos de pássaros, paisagem bonita, algumas casinhas cujos donos se preparavam para a chegada dos turistas das férias de verão. Mas ficar lá não era o nosso objetivo principal. O programa do dia era fazer a pé todo o trajeto dos 24 km de volta para a cidade. Eu confesso que fiz uma grande preparação psicológica e mental na véspera. É verdade que eu já havia feito no começo do ano com o Thomas 20 km num só dia, no interior do Peru (10km na ida e 10km na volta a um pequeno vilarejo). A diferença era que estávamos bem na linha do Equador, em pleno verão, caminharíamos bem ao meio dia, e fazia uns 35o C... No entanto, a rápida passagem de moto pelo trajeto me fez vibrar e esquecer completamente a ansiedade da longa caminhada que estava por vir. E de fato, isso foi o que me motivou: chegar logo naquela enoooooooorme área, de vegetação bem rasteira, basicamente gramíneas, mas inundada com água que vinha dos vários grandes rios por perto. Uma área de aproximadamente dois bairros inteiros de São Paulo, onde se viam apenas algumas palmeiras e pequenos oásis que – como lembrei-me mais tarde – os livros textos do Ensino Fundamental nos ensinam como sendo os “igarapés”. Parecia tudo tão enfadonho na época quando estudei, ficar decorando os vários tipos de vegetação da Amazônia e lembrar que “os igarapés não são mata fechada, mas áreas abertas e permanentemente inundadas”. Ao vivo era tudo TÃO LINDO!!! O que era mais espetacular além da imensidão de gramíneas inundadas de água, das palmeiras aglutinadas, da água calmíssima e impressionantemente clara, era a enooooooorme quantidade de animais. Claro... onde a o homem não chega, a natureza se encarrega de manter o equílibro do biossistema da flora e da fauna, a teoria já diz, mas olhar na prática é MUITO mais belo de se entender... Aves, aves, aves de todos os tipos: garças brancas, garças vermelhas de um vermelho fogo ofuscante – chamadas de íbis, passarinhos pequenos azuis, vermelhos-sangue, amarelos, pretos, ... Depois búfalos, vacas, cavalos, ovelhas... E também, peixes pulmonados nadando na superfície da rasa água dos igarapés (eles desenvolveram pulmões pela quantidade presença de água e por causa da época das secas, já diziam os programas do “Animal Planet”...) Todos se aproveitando da riqueza natural daquele campo enorme, despreocupados porque a mãe natureza daria conta de tudo e de todos e para sempre, se o homo “sapiens”  não aparecesse... Em nossos ouvidos passavam somente as vibrações do piado dos pássaros, do leve movimento das águas e, do barulho do vento soprando pelos buracos feitos pelos cupins na madeira oca dos postes de eletricidade, tal como uma flauta natural. Nada, nada mais.  O céu azul, os grandes flocos de nuvens brancas e uma canoazinha estacionada nas águas do igarapé completavam o cenário sublime. Foi a imagem desse perfeito paraíso na terra, gravada em nossas mentes, que nos deu força para fazer a caminhada de nada menos de 6 horas.

Mas, no Amapá, não é preciso se afastar completamente da humanidade, e nem caminhar 24 km para se ter um pedaço do paraíso. Percorrendo por todo o estado, percebemos que existiam diversos “balneários”, ou, simplesmente, locais com alguma infra-estrutura à beira de algum rio, riacho ou igarapé, que oferecem alguma diversão às pessoas. Na saída de Calçoene, perto do trevo da rodovia onde termina o asfalto da BR 156, a uns 4 km da cidade, havia um pequeno balneário desses, com o sugestivo nome de “Pau Pintado” (na verdade, o balneário mais famoso de Calçoene, e que estávamos efetivamente procurando, chamava-se Asa Berta; mas ninguém soube nos dar informações de como chegar, e fomos andando e chegamos no outro...) Uma pequena piscina natural com águas absolutamente cristalinas, peixinhos que vêm “picar” as células mortas de nossas pernas e barriga, pedras estrategicamente posicionadas para o nosso descanso, e árvores oferecendo uma mais-que-perfeita sombra naquele calor do verão equatorial. Talvez por ser dia de semana, o balneário estava completamente vazio, com exceção do dono do bar. Perfeito, estávamos livres do barulho da música ruim, que certamente apareceria se houvesse um grupo maior de pessoas. Pegamos, cada um, uma latinha de refrigerante gelado e fomos sentar no meio da piscina natural, com metade do corpo dentro d’água, sentindo as leves mordiscadas dos peixinhos e aproveitando do silêncio e da beleza da natureza. No meio disso tudo, Thomas lembrou – de repente – que era o aniversário dele... Certamente, um aniversário inesquecível!

domingo, 15 de julho de 2012

Aventuras no lugar que não existe: 15 dias de Julho no verão do Amapá


Episódio 1: A Cidade que Existe

“- Aonde você vai nas férias, Luciana?
- Para o Amapá.
(pausa) – Isso existe?”
(Conversa que se repetiu pelo menos quatro vezes antes de eu partir para o Amapá)

Não me lembro exatamente quando e como Thomas sugeriu pela primeira vez de irmos ao Amapá. Como já aconteceu outras vezes, na verdade, essa seria a primeira parte de uma grand viagem que ele faria, incluindo a passagem pela Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Roraima e depois, Manaus, para voltar de avião a Sampa. Como sempre, alguém tem que trabalhar, e eu só poderia fazer parte dos primeiros 15 dias do roteiro – daí, o meu destino escolhido. Como sou curiosa, bastante flexível e gosto de conhecer coisas diferentes (não importa o quê), não hesitei em que o acompanharia mais uma vez nessa viagem mochileira-ecológica-sociológica.

Com a correria de fim de semestre (que na verdade começou logo que o semestre começou...) o consciente nem se deu conta da aproximação da viagem, mas consegui, nos últimos dias, dar uma espiada em guias, depois que um amigo, que gosta de viagens “exóticas” como eu e Thomas, disse ter lido recentemente um suplemento de viagens do “Estadão” exatamente sobre o Amapá. Encontrei-o facilmente na rede. Com ele, minha animação apareceu mais rapidamente. 

O vôo até Macapá foi um pouco estressante, já que tínhamos pouco tempo de escala em Belém e o avião saiu muito atrasado de Guarulhos. Mas sempre esquecemos que a incompetência normalmente é generalizada: se o vôo de Guarulhos atrasou, o de Belém atrasou mais ainda. Chegamos no pequeno hotel de Macapá depois da uma da manhã. Dormi imediatamente e tanto, que nem quis saber de acordar para o café da manhã no dia seguinte. Quando acordei as 10h, Thomas não só tinha tomado café, como já tinha ido ao supermercado e comprado garrafas de água mineral (obsessão dele em todas as viagens, e em casa também...) e ido ao terminal rodoviário para comprar as passagens para o interior. Haja eficiência...

Saímos naquela manhã de domingo já sentindo o calor equatorial. Aliás, um dos poucos fatos sobre o Estado que todos no resto do país parecem saber (além de que José Sarney saiu como seu senador sem nunca ter morado lá...) é que exatamente sobre essa capital passa o Equador. Assim, todo o restante do estado (Macapá fica ao extremo sul) estava no verão em pleno Julho! E não é piada: todos os comerciais lembravam desse fato, tão normal quanto o sol em cima de nossas cabeças...

A primeira impressão foi que Macapá não tinha nada da ideia de cidadezinha pequena ou vilarejo que eu tinha. (Aquilo que eu imaginei, efetivamente vi no interior do estado...) Era sim uma cidade de porte médio, avenidas largas e muitas, muitas, muitas repartições públicas! Essa foi a primeira impressão que tive e que se manteve ao longo de tooooda a viagem, inclusive no interior do Amapá: o estado tem uma quantidade im-pres-sio-nan-te de órgãos públicos principalmente federais, depois estaduais e, em última medida, municipais.

Caminhando em direção ao centro da cidade, dobrando uma esquina e... eis o maravilhoso Rio Amazonas! Pela primeira vez na minha vida, eu o via na minha frente! Como senti-me um pouco “enganada” porque no ano passado quando fui a Belém – achava que iria encontrá-lo e não o encontrei (enganada pela própria absoluta e vergonhosa ignorância...) – minha vontade de conhecê-lo aumentou mais ainda. E eis que agora me aparece... do nada (minha ignorância novamente não havia me preparado para o encontro). É realmente imenso, lindo, sem limites... O maior rio do mundo estava na minha frente! O dia ensolarado tornava o grande rio mais lindo ainda.

Toda cidade que tem alguma grande massa de água tem uma vida efusiva à beira dela. É assim com cidade de praia, com cidade de grandes lagos e, claro, com cidade à beira de grandes rios. (Essa vida à beira da água é sinceramente o que eu mais sinto falta morando em São Paulo.) No Macapá,  não seria diferente (nem as cidades do interior do Amapá): à beira do rio, há uma vida diurna e, principalmente noturna, ma-ra-vi-lho-sa... Durante o dia, a imagem do Amazonas, a brisa que nunca deixa de soprar, o céu sempre azul com nuvens brancas (cúmulos-nimbos, é bom deixar claro!)... À noite, ah... a noite a coisa pega fogo! Como toda cidade com temperaturas muito elevadas, nada funciona durante o meio do dia (das 11h a mais ou menos 16h, 17h), e a vida aflora mesmo a partir das 18h (vi isso acontecer de maneira explícita no interior do Peru). Em Macapá, além dos restaurantes “chiques” de comidas típicas na Av. Beira Rio do lado “de lá” do Forte São José, do lado “de cá” há diversos restaurantes/bares mais populares, quiosques para simplesmente beber cerveja ou água de coco, brinquedinhos para as crianças (incluindo uma piscina de lona onde se pode andar de pedalinho), pistas para patins e quadriciclos onde as famílias se divertem, e uma longa fileira, bem a beira do rio, de carrinhos bem iluminados, todos vendendo... batata frita!!! É, infelizmente a culinária amapaense não foi o forte que encontramos... (apesar de se localizar do lado do Pará, onde se come muito bem). Mas é claro que eu não podia deixar de experimentar as tais das batatas fritas, pelo menos no meu último dia em Macapá (e quando Thomas já não estava mais comigo enchendo o saco do que eu como, é claro...) O sabor não tinha nada de mais... Mas a sensação de estar sentada à beira do Rio Amazonas comendo uma fritas dos famosos carrinhos da Beira-Rio de Macapá... não tem preço!

Na “esquina” do Rio Amazonas (e é engraçado, pois dá a impressão de ser uma esquina do rio mesmo...) está uma das maiores atrações da cidade: o Forte de São José de Macapá. E ele é de fato uma construção bem interessante: pentagonal (seu formato tornou-se símbolo do estado, presente até na bandeira), com dezenas de canhões apontados para o rio, para a cidade e para toda  a região em volta do forte; muito bem planejado, com 8 prédios onde se abrigariam as casas dos oficiais, do padre e do médico, a capela, as moradias dos soldados, lugares para guardar armamentos e comida, etc. Pena que nunca foi de fato utilizado... Os franceses invadiram a região mesmo com a presença do forte... (Mais dados interessantes sobre os 320 anos do Forte, com uma foto bem interessante: http://www.correaneto.com.br/site/noticias/21462)

Pegando-se um ônibus municipal, em menos de meia hora, pode-se chegar à “praia” da Fazendinha (um distrito da capital). Praia é exagero, mas é uma área onde restaurantes se juntam numa rua, e onde foi criada uma área com areia, quiosquezinhos e cabaninhas para as pessoas poderem se divertir aos fins de semana à beira do rio. Mas o que efetivamente gostamos, e o que fez com que nossa ida à Fazendinha valesse a pena, foi sentar-se no último restaurante da rua e comer um peixe recheado com camarão. O peixe é enrolado no formato de uma bola, com os camarões no seu interior, e depois, frito (a foto do Thomas tentando comê-lo é hilária...). O restaurante ficava do lado de uma entrada do Rio Amazonas. E do lado de lá, havia aquelas casinhas tipicamente ribeirinhas da região Amazônica. O melhor do almoço foi comer o peixe olhando para as pessoas que chegavam e saíam de canoas. Não sei se foi apenas impressão minha, mas elas pareciam tão serenas, tão tranqüilas, remando suas canoas debaixo do sol, naquela raminho do Rio Amazonas.... Bem perto da gente, alguns meninos nadavam, brincavam e riam na água que parecia quentinha... Depois, pegaram também um barquinho e foram remando para suas casas, alegres, com uma preguiça tipicamente tropical...

Próximos episódios:
2) Paraísos Perdidos
3) Dias na BR 156
4) Nossos vizinhos, os franceses